Resenha - O Conto da Aia (Margaret Atwood) |+18|
- Letícia Marques

- 30 de jan. de 2021
- 4 min de leitura
Atualizado: 1 de mai. de 2021
Leitura do Mês de Janeiro (2021) do AMAZONAS Clube de Leitura

O Conto da Aia (The Handmaid's Tale) é uma obra de 1985 da autora canadense Margaret Atwood. A história se passa em um futuro distópico em que os altos índices de poluição deixaram grande parte da população dos Estados Unidos infértil e, por isso - teoricamente -, ocorre um golpe de governo e o país passa a ser governado por uma comunidade bélico-religiosa.
Diante dessa realidade, surgem diversas figuras curiosas, dentre elas as Aias, as Tias, as Esposas e os Comandantes. Os Comandantes (todos homens) seriam aqueles que estão no poder, enquanto as Esposas seriam, como o próprio nome sugere, seriam suas companheiras, que, apesar de várias restrições, ainda tinham certos privilégios em relação às outras mulheres.
A questão é que a maioria das Esposas já não era capaz e ter filhos, de forma que surge a função da Aia, ou seja, aquela que vai atuar como uma "serva de procriação". Por conta de toda a simbologia, regras e crenças que regem a comunidade de Gilead e, especialmente, a rotina das Aias, essas precisavam de treinamento, sendo assim, as Tias se tornam essenciais, já que são responsáveis por transformar mulheres em Aias.
Vendo, pois, Raquel que não dava filhos a Jacob,
teve Raquel inveja da sua irmã, e disse a Jacob:
Dá-me filhos, ou senão eu morro.
Então se acendeu a ira de Jacob contra Raquel e disse:
Estou eu no lugar de Deus, que te impediu
o fruto de teu ventre?
E ela lhe disse: Eis aqui a minha serva, Bilha;
Entra nela para que tenha filhos sobre os meus joelhos,
e eu, assim, receba filhos por ela
É importante destacar que a narração não tende a amenizar os acontecimentos, de maneira que algumas passagens, inegavelmente incômodas, podem servir como gatilho. Por isso, consideramos que a obra deve ser classificada como para maiores de 18 anos.
O Conto da Aia é, apesar de uma distopia, uma clara e certeira crítica à sociedade, mantendo-se atual mesmo após mais de uma década de seu lançamento. São tratados temas como: restrição da independência feminina, "apagamento" de identidade e individualidade, lavagem cerebral, regime ditatorial, casamento infantil/arranjado e, principalmente, abuso.
Gostaria de acreditar que isso é uma história que estou contando. Preciso acredita nisso. Tenho que acreditar nisso. Aquelas que conseguem acreditar que essas histórias são apenas histórias têm chances melhores.
Quando se fala de abuso em relação à obra em questão, não se trata somente de abuso sexual, como já fica evidente pela Cerimônia de Concepção (momento em que as Aias submetidas a um "ritual" que consiste, basicamente, em sexo sem consentimento com o seu Comandante e Esposa).
Além dos abusos físicos, seja por parte das agressões e punições das Tias no Centro de Treinamento ou pelos estupros em seus "postos", as Aias ainda precisavam lidar com os abusos psicológicos, como a constante materialização de seus corpos, a completa extinção de suas personalidades e a intimidação incessante.
As Aias não podiam ler, escrever, conversar sobre assuntos além do tempo/clima. Não podiam ser vistas. Não podiam ser desejadas. Não podiam nem mesmo decidir quando encerrar suas vidas. Afinal, não eram mulheres, não eram seres humanos, eram consideradas apenas máquinas de produção de crianças, o que, de certa forma, lhes garantia certa segurança, mas essa só durava enquanto elas ainda fossem úteis.
Faz muito tempo que não vejo mulheres vestidas com saias tão curtas.
[...]
Paro de andar. Ofglen para ao meu lado e sei que ela também não consegue tirar os olhos daquelas mulheres. Estamos fascinadas, mas ao mesmo tempo sentimos repulsa. Elas parecem despidas. Foi preciso tão pouco tempo para mudar nossas ideias a respeito de coisas como essa.
Nos é mostrado, também, o choque de culturas da comunidade de Gilead com o restante do mundo. No universo criado por Atwood apresenta que o restante do mundo permaneceu semelhante ao que conhecemos hoje, de forma que, especialmente nos momentos de transição do governo, há uma grande tentativa - inclusive por parte da protagonista - de fuga/atravessar a fronteira para o Canadá. Ademais, uma uma passagem do livro, podemos ver uma breve interação de Offred e Ofglen com um grupo de japoneses, situação de demonstra claramente o estranhamento de ambos com o estilo de vida do outro.
Assim sendo, O Conto da Aia, definitivamente, não é uma leitura leve. A escrita fluída de Margaret Atwood ajuda muito, mesmo assim, as questões abordadas são espinhosas e incômodas - talvez, até mesmo, dolorosas -, apesar de necessárias.
Portanto, se procura um livro para te fazer refletir sobre a concepção de sociedade e do poderia vir a ser caso algumas ideais e limites fossem abandonados, esta é uma ótima opção.
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ADAPTAÇÕES CINEMATOGRÁFICAS
O Conto da Aia (The Handmaid's Tale) já foi adaptado tanto para as telinhas como para as telonas. A primeira adaptação foi lançada nos cinemas em 1990, sob a direção de Volker Schlöndorff e estrelando Natasha Richardson, no papel de Offred.
Já em 2017, a emissora Hulu reapresentou a história, dessa vez em forma de série. O show protagonizado por Elisabeth Moss (Offred) se tornou um grande sucesso, rendendo diversos prêmios - como Emmy, Globo de Ouro e Critic's Choice - e aumentando consideravelmente as vendas do livro, mesmo após décadas do seu lançamento (1985).
É interessante perceber que tanto a adaptação para o cinema como para a TV "deram" um nome para Offred - Kate e June, respectivamente -, algo que não acontece no livro.
A série foi, sem dúvidas, muito bem produzida, chegando a consertar alguns "erros" cometidos no filme (a própria autora, Margaret Atwood, admitiu não gostar da retirada da narração da protagonista na adaptação de 1990). O elenco foi muito bem escolhido e conseguiu, de fato, emocionar com atuações marcantes.
Muitas pessoas, incluindo membros do AMAZONAS Clube de Leitura, consideram que, em se tratando da série, esse é um dos poucos casos em que a adaptação supera o livro. Portanto, The Handmaid's Tale é uma ótima escolha para maratonar depois - ou antes - da leitura.
Ah, mas vale lembrar que, assim como o livro, a série trata de questões delicadas, então é importante prestar atenção na classificação indicativa e nos alertas de gatilho.
P.S.: No momento de redação desta resenha, série encontrava-se disponível no Globoplay e no Paramount + (pode ser assinado por meio do Amazon Prime Video).









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